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LUTS e doenças metabólicas

Astellas

Dr. Fernando Meyer – (CRM: 13034–PR)

Professor Titular da Disciplina de Urologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR); Chefe do Serviço de Urologia do Hospital Universitário Cajuru – PUC-PR; Responsável Técnico do Serviço de Transplante Renal do Hospital Universitário Cajuru e do Hospital Marcelino Champagnat

1 – A associação entre LUTS e Síndrome metabólica tem sido estudada de forma aprofundada nos últimos anos. De forma geral, com qual frequência pacientes com doenças metabólicas apresentam LUTS?

Segundo estudo de Tai H-C et al (2010) realizado com pacientes da Universidade de Taywan comparando pacientes com e sem diagnóstico definido de Síndrome metabólica, a incidência de LUTS definidos pelo IPSS como moderada (escore: 8 – 19) e grave (escore > 20) foram respectivamente de 32,5% e 11,4% nos pacientes com síndrome metabólica. Neste mesmo grupo de pacientes o diagnóstico de bexiga hiperativa baseado no AUSS >2 foi de 52%.

Em outro estudo observacional, desta vez em uma população de Paris, Pashootan P et al (2014), encontraram dentre os pacientes com diagnóstico de síndrome metabólica, segundo os critérios do ATP III, 38,7% destes apresentavam IPSS com sintomas moderados e 8,7% com sintomas graves totalizando 47,4%¹.

2 – Nesse sentido, como o I-PSS – International Prostate Symptom Score pode colaborar na abordagem terapêutica de um paciente que apresente LUTS associados a uma ou mais doenças metabólicas?

O IPSS é considerado hoje o padrão ouro internacional para avaliação da severidade de LUTS segundo o Campbell textbook (2020). Sua dinâmica permite, além de graduar objetivamente os sintomas do paciente ao diagnóstico, servir como ferramenta de comparação de resposta a tratamentos propostos. Apresenta a versatilidade de se subdividir em dois subgrupos de sintomas de esvaziamento e armazenamento. Sua validação internacional permitiu a tradução para um questionário válido também em português, então certamente é uma ferramenta ótima para estes pacientes.

Ressalvas são importantes neste quesito, algumas vezes deveremos usar o IPSS como ponto de partida, principalmente no homem, mas algumas outras ferramentas como OABSS no caso predomínio dos sintomas de armazenamento e ICIQ-MLUTS nos casos de necessidade de melhor esclarecimento no que concerne à incontinência, são fundamentais.

Os principais limitadores do uso do IPSS são a necessidade de entendimento por parte do paciente, podendo variar conforme escolaridade e classes sociais, não aborda a intensidade de incontinência, sintomas pós-miccionais nem o distúrbio à qualidade de vida causado por cada sintoma individualmente2.

3 – Na maioria dos pacientes que se queixam de LUTS o aparecimento dos sintomas está relacionado a doenças metabólicas?

Dentre os poucos estudos da literatura que abordam diretamente a proporção de pacientes com LUTS baseados no IPSS que apresentam critérios diagnósticos para síndrome metabólica, Kupelian V et al (2012) no clássico estudo conhecido como BACH survey demonstraram que a incidência de síndrome metabólica aumenta com o escore de IPSS dos pacientes estudados. Nos pacientes com sintomas moderados a severos os índices de diagnóstico de síndrome metabólica chegam a 40%, ou seja, não sendo a maioria dos pacientes com LUTS, porém representando uma alta porcentagem dentre os pacientes com LUTS3.

Gráfico:
Vertical: prevalência de MetS (%)
0 10 20 30 40 50
Horizontal: AUA-SI
0-1 2-3 4-5 6-7 8-19 20-35

FIG 1: Prevalência de Síndrome metabólica (MetS) aumenta com o incremento de IPSS (AUA-SI) leve e se mantém estável nos moderados e graves.

No estudo NHANES III, realizado em 2005 os valores são parecidos, apesar de usar uma definição diferente de LUTS, baseada na reposta de quatro perguntas similares às do IPSS, a incidência de síndrome metabólica nos pacientes com LUTS foi de 46%.

4 – Em geral, quais sintomas são frequentemente associados à síndrome metabólica?

O BACH Survey encontrou uma maior probabilidade de sintomas no domínio de esvaziamento associados à síndrome metabólica em relação aos sintomas de armazenamento. Avaliando os sintomas separadamente os mais intensos e associados à síndrome metabólica foram a intermitência, esvaziamento vesical incompleto e noctúria.

Em trabalho avaliando a incidência e intensidade de LUTS, baseada no IPSS em pacientes com diagnóstico de síndrome metabólica conforme critérios da ATP III, Nunzio C et al (2014) encontraram de forma diferente do estudo BACH um aumento estatisticamente significante no domínio de sintomas de armazenamento do IPSS no subgrupo de pacientes com síndrome metabólica, enquanto no domínio de sintomas de esvaziamento não houve diferença entre os grupos. A diferença entre os estudos se baseia principalmente na, relevante, maior idade média da população deste último estudo, avaliando separadamente os pacientes mais jovens deste estudo, resultados similares ao estudo BACH são encontrados4.

No estudo de Nunzio, eles ainda ponderam que o substrato fisiopatológico fornecido pela síndrome metabólica, mais logicamente afetaria mesmo o subgrupo de sintomas de armazenamento, vários outros estudos destacaram o papel do sistema nervoso autônomo nestes pacientes, em especial o sistema nervoso autônomo parassimpático responsável direto pela hiperatividade detrusora.

5 – No caso de um paciente com doença metabólica e consequente aparecimento de LUTS, além do possível surgimento de doenças cardiovasculares, quais outros impactos negativos podem ser causados ao organismo desse indivíduo?

Dentre as inúmeras alterações determinadas pela síndrome metabólica, ainda podendo se associar indiretamente ao tema LUTS observamos uma elevação na aromatização periférica dos androgênios, podendo desencadear um aumento dos níveis de estradiol e redução nos níveis de testosterona, resultando em sintomas clássicos de hipogonadismo. A hiperinsulinemia assim como ou aumento do status inflamatório sistêmico podem favorecer o crescimento prostático e agravar o LUTS.

 A soma do dano renal direto causado pela própria síndrome, com os efeitos deletérios ao trato urinário baixo, podem agravar e predispor à evolução para insuficiência renal crônica, seja por ITU de repetição determinada pelo aumento do resíduo miccional, ou até mesmo com um dano pós-renal naqueles pacientes com retenção crônica oligosintomática, devido à hiposensibilidade vesical.

A nefrolitíase é outra entidade ligada à síndrome metabólica, principalmente associada ao aumento da excreção de ácido úrico, cálcio e oxalato com concomitante redução na excreção de citrato e consequente acidificação exacerbada da urina.

Referências Bibliográficas:

  1. Pashootan P. et al. Association between metabolic syndrome and severity of lower urinary tract symptoms (LUTS): an observational study in a 4666 European men cohort. BJU International. 2015;116(1):124-30.
  2. Campbell textbook (2020).
  3. Kupelian V. et al. Association of Lower Urinary Tract Symptoms and the Metabolic Syndrome: Results From the Boston Area Community Health Survey. J Urol. 2013;189:107-S116.
  4. Nunzio C. et al. Metabolic Syndrome and Lower Urinary Tract Symptoms in Patients With Benign Prostatic Enlargement: A Possible Link to Storage Symptoms. Urology.  2014;84(5):1181-7.
  5. Gravas S et al. European Association of Urology. 2020 Management of Non-Neurogenic Male LUTS Guidelines. Acessado em: 06 mai 2020. Disponível em: <https://uroweb.org/guideline/treatment-of-non-neurogenic-male-luts/>.